Renúncia do príncipe Dom Pedro de Alcântara, no exílio em 1908, foi ineficaz por várias razões

O ramo de Petrópolis é o legítimo em caso de restauração da monarquia, reconhecido inclusive pelo governo republicano quando da devolução de bens e direitos no retorno ao Brasil.

A renúncia de Dom Pedro de Alcântara, primogênito da Princesa Isabel, ocorreu em virtude do compromisso, que veio a se tornar casamento com a Condessa Dobrzensky de Dobrzenicz.

Tal ato (renúncia) sempre foi ineficaz em face do direito brasileiro, patente mesmo na Carta de 1824, cujo texto impunha uma série de requisitos de validade aos atos da Família Imperial, condicionando-os às convalidações e autorizações do Parlamento, pois estes eram sujeitos de Direito Público, além de sujeitos de Direito Privado.

Pelo exposto, o documento elaborado em Cannes, em 1908, onde o Príncipe Imperial renuncia os direitos seus e de seus descendentes ao trono brasileiro, levou em conta somente o direito dinástico costumeiro, desconsiderando o direito brasileiro que nada tinha a opor a casamentos morganáticos.

Ainda, desconsiderou a raiz do direito brasileiro (franco-germânica) além de carecer de qualquer formalidade imposta pelas leis brasileiras.

Por esses e outros pontos, o ato sempre pareceu gravemente irregular. Parecia coisa para “inglês ver”, só que no caso, para “Francisco José do Império Austro-Húngaro ver”, uma vez que a Princesa Isabel, depois do golpe de 1889 buscou um apoio específico estrangeiro para ajudar em eventual restauração da monarquia brasileira, que não aconteceu:

Se estava nas mãos de Francisco José colaborar diplomaticamente, ou não, para o restabelecimento de uma monarquia, era mais do que certo que ele não o faria em benefício de um Dom Pedro III casado com outra condessa tcheca e também não pertencente a família “régia”, embora descendente da dinastia de Saxe

Obviamente a estratégia não é válida perante o direito constitucional brasileiro.

O texto constitucional de 1824 (único a regulamentar a matéria então) foi construído segundo os fundamentos lançados pelos Construtores do Brasil (Andrada, Quixeramobim, Itanhaém e outros), bem como por Dom Pedro I e a Assembleia Constituinte de 1824.

Analisando o ato detidamente, podemos perceber que a referida renúncia não obedeceu ao Direito Público de então, tampouco o Direito Privado vigente, carecendo portanto de validade material e forma.

Chama atenção ainda, o fato de que o ramo favorecido pela tal “renúncia” continua até hoje observando alguns dispositivos da Carta de 1824 que lhes favoreciam e “esquecendo” outros que não lhes seriam favoráveis.

Quando do lançamento do site da Casa Imperial do Brasil foi franqueado ao público acesso ao parecer do Dr. Paulo Napoleão Nelson Basile Nogueira da Silva e todas estas suspeitas oriundas de raciocínio técnico jurídico se confirmaram.

Destacam-se os seguintes pontos:

I) Vedação no direito pátrio de renúncia de pessoas que sequer tinham nascido, sendo a renúncia ato personalíssimo;

II) Prática de coação moral irresistível pois, de um lado sua mãe – legítima Imperatriz do Brasil – e do outro a mulher com quem namorou e noivou por 8 anos. Até o fim de sua vida D. Pedro de Alcântara sustentou a renúncia, destacando porém ter sido forçado a renunciar (ou seja, não foi de livre e espontânea vontade;

III) o direito brasileiro não admite repristinação e até hoje fazem menção à Carta revogada de 1824 naquilo que lhes favorece esquecendo o que desfavorece;

IV) melhor sorte não assiste à pretensão se considerarmos puramente o direito dinástico, conforme se vê nas páginas 1 a 6 (das 18 páginas) do parecer;

V) o Almanaque de Gotha precisa ser aplicado de forma harmônica com o direito pátrio sobre a matéria;

VI) de fato, os bens e direitos ressarcidos pela república à família Imperial foram destinados ao ramo de Petrópolis,

VI) a despeito de tudo isto, permanece a necessidade de formalidade para os atos de aclamação, renúncia (tanto do do Imperador quanto do Príncipe Imperial), juramento à Constituição (que a Princesa Isabel fez e Dom Pedro de Alcântara, não), etc, a serem apresentados formalmente como a lei exigia, para obter convalidação pelo Congresso da restauração monárquica e pelo Povo (como sujeitos de direito público que eram, ao menos diante de seus súditos e dos monarquistas); dentre muitos outros pontos melhor explicitados no parecer.

Para melhor compreensão, segue o texto da carta de renúncia:

Eu o Principe Dom Pedro de Alcantara Luiz Philippe Maria Gastão Miguel Gabriel Raphael Gonzaga de Orleans e Bragança, tendo maduramente reflectido, resolvi renunciar ao direito que pela Constituição do Imperio do Brazil promulgada a 25 de Março de 1824 me compete à Corôa do mesmo Paiz. Declaro pois que por minha muito livre e espontanea vontade d’elle desisto pela presente e renuncio, não só por mim, como por todos e cada um dos meus descendentes, a todo e qualquer direito que a dita Constituição nos confere á Corôa e Throno Brazileiros, o qual passará ás linhas que se seguirem á minha conforme a ordem de successão estabelecida pelo Art. 117. Perante Deus prometto por mim e meus descendentes manter a presente declaração.

Cannes 30 de Outubro de 1908

assinado: Pedro de Alcantara de Orleans e Bragança

Nota:

a) Esse ato de renúncia foi emitido em três vias e assinado na presença da Princesa Da. Isabel de Orleans e Bragança, de jure Imperatriz do Brasil, e membros da Família Imperial.

b) Em 9 de novembro de 1908, a Princesa Isabel enviou uma das três vias ao Diretório Monárquico do Brasil, no Rio de Janeiro.

A via enviada ao Diretório Monárquico do Brasil foi recebida com espanto e sob a pecha de inconstitucional, pois o ato privado não respeitou a forma, nem a lei, sejam de âmbito público ou privado, sendo certo que há prevalência de direito público sobre o privado também nesta questão dinástica.

Na ocasião (1908) os monarquistas não se encontravam de tal maneira afetados pelo republicanismo e corrupção da inteligência jurídica e eram aptos a entender de cara esses problemas. Hoje com a degradação do ensino jurídico (polarização e importação do padrão “Bolsonaro x Lula” para o âmbito monárquico, parafraseando a rivalidade republicana para os ramos de Petrópolis e Vassouras) mesmo advogados monarquistas se prestam a negar o óbvio.

Muitos críticos ou partidários do ramo desprovido da primogenitura criticam a postura de Petrópolis quando do Plebiscito de 1993, usando o fato como argumento para confirmar suposta indignidade. Esquecem que é dever de todos os príncipes lutarem pelo Brasil e que na ocasião o ramo de Petrópolis se encontrava ainda afetado, com familiares traumatizados, pelo sequestro de D. Pedro VI, ainda pequeno (foi resgatado em 02/06/92).

Feitas estas considerações e antes de passar à conclusão do parecer, importa ressaltar que todo esse do debate parece coisa de um país que tem muitos príncipes. Se fosse o caso do pobre austro-húngaro Francisco José, que teve seu único herdeiro ceifado, obrigando-o a abdicar em favor de colaterais, déssemos valor ao “Bragança que existir” ao invés do que “mais agrada”.

A seguir itens transcritos da conclusão do parecer do Dr. Paulo Napoleão Nelson Basile Nogueira da Silva, feito em 1993 para que o leitor reflita e conclua:

__________

1 – Não é possível aplicar à análise da validade do ato de renúncia do principe Dom Pedro de Alcântara e da sua eficácia jurídica, o direito consuetudinário francês ou a legislação bávara, um e outra atribuindo à Família Real ao seu chefe o direito de estipular sobre sucessão: e nem mesmo as chamadas “leis fundamentais” do reino da França apesar dos capetíngeos. Isto porque na Monarquia brasileira o assunto estava disciplinado constitucionalmente e só a este nível. Em consequência, a análise da questão só é juridicamente possivel através da conjugação das regras de Direito Público brasileiro, do Império e posterior, assim como das regras de direito privado entre nós consagradas e, só no que não conflitarem com as precedentes, as regras gerais de direito dinástico;

2- À luz do direito dinástico existem precedentes, assimilados pelo Direito Público e como tal eles próprios criadores de direito público e de direito dinástico, autorizando a retomada de direitos por príncipes renunciantes, ou seus sucessores, e por reis abdicantes;

3- À luz do Direito Privado, brasileiro e comparado, incidiram sobre o ato de renúncia do príncipe Dom Pedro de Alcântara vícios de consentimento invalidatórios de sua eficácia.

4- À luz do do Direito Privado, ainda, faltaram ao ato de renúncia do príncipe Dom Pedro de Alcântara requisitos formais mínimos.

5- À luz do Direito Público brasileiro faltaram ao ato de renúncia do Príncipe Dom Pedro de Alcântara requisitos e formalidades indispensáveis à sua validade e produção de efeitos;

6- À luz do direito dinástico e do direito público, na sua conjugação necessária, existem precedentes atestando que simples convenções familiares ou políticas, não tem força para derrogar leis sucessórias institucionalizadas pelo direito ou poder competente.

7 – Precedentes históricos e de natureza jurídica há, igualmente, atestando que renúncias a direitos feitas em desconformidade com leis sucessórias institucionais, no máximo, poderiam produzir efeitos em relação ao pretendido renunciante – e, assim mesmo, desde que inquestionável a intenção deste – mas, jamais em relação aos seus descendentes, sucessores naturais e necessários, nos mesmos direitos, que são personalíssimos nos termos do art. 117 da Constituição de 1824;

8- À luz do direito público, brasileiro e comparado, ainda que estivessem presentes ao ato de renúncia ao príncipe Dom Pedro de Alcântara os requisitos essenciais e formais indispensáveis à sua validade e produção de efeitos, assim considerados tanto os originários da esfera institucional pública, pecaria o ato por uma impossibilidade congênita quanto à sua finalidade, tal seja a de impor a outrem a vedação de direitos públicos subjetivos, sem que o praticante estivesse constitucional ou legalmente autorizado a fazê-lo, e sem que faltem àqueles os requisitos para exercê-lo;

9- Como a manifestação de vontade no ato de renúncia de Dom Pedro de Alcântara – ainda mesmo que sob outros aspectos tivesse sido válida, o que não ocorreu – não foi adequada e eficaz ao fim que na hipótese precedente tê-la-ia instruído, a sucessão imperial permaneceu na linha reta de primogenitura da princesa Isabel;

10-Por mais um motivo, face aos tópicos anteriores, a sucessão se manteve na linha de primogenitura da princesa Isabel: o ato de renúncia do príncipe Dom Pedro de Alcântara não teve eficácia e nem produziu efeitos para lhe retirar juridicamente a titularidade do direito de ser chefe da Casa Imperial e sucessor no trono do Brasil, após o falecimento da princesa Isabel; se após aquele ato o referido príncipe se absteve de exercer a Chefia da Casa Imperial, essa chefia só poderia ter sido exercida por seu irmão Dom Luiz, como um exercício “ad hoc”. Se entretanto, aquele ato tivesse sido eficaz quanto ao renunciante – o que juridicamente não ocorreu – mas, ainda assim somente quanto a ele, seu irmão, o príncipe Dom Luiz, teria sido investido na Chefia da Casa Imperial, somente enquanto não nascesse o primeiro descendente do renunciante como tal reconhecido; prosseguindo normalmente, a aprtir de então, a titularidade da linha de primogenitura tal como estabelecida na Constituição de 1824. Incidiria, pois, a esta última hipótese o mesmo princípio segundo o qual a princesa Dª Januária deixou de ser princesa imperial logo que nasceu seu sobrinho Afonso Pedro, primeiro filho de Dom Pedro II; ou que a princesa Isabel deixou de ser princesa imperial logo que nasceu Dom Pedro Afonso, segundo varão do imperador;

11- Não ocorreram a prescrição ou a decadência em relação aos direitos dos sucessores de Dom Pedro de Alcântara o eventual trono do Brasil, e a hipótese nem mesmo é a de reivindicar, mas simplesmente, de afirmar esses direitos e o seu exercício;

12-Em consequência, assiste ao primogênito e sucessor imediato de Dom Pedro de Alcântara, no caso em espécie o príncipe Senhor Dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança, não só por via dinástica, como por disposição do Direito Privado e do Direito Púbico, e enfim virtude de situação perfeita sob todos os ângulos através dos quais se a analise, o direito de afirmar-se como chefe da Casa Imperial Brasileira, e sucessor no trono do Brasil. Esse direito, desde o nascimento do referido príncipe, não sofreu qualquer desfalecimento do ponto de vista da ciência jurídica.

Insubsistentes, portanto, as pretensões do príncipe Senhor Dom Luiz de Orleans e Bragança, à luz da ordem jurídica, se fundadas exclusivamente no ato de renúncia do príncipe Dom Pedro de Alcântara.

São Paulo, abril de 1993

Paulo Napoleão Nelson Basile Nogueira da Silva

Foto de capa colorizada por Matheus Venâncio. Instagram: math.venancio

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