Desde sua gênese, o Império viu-se cercado de inimigos internos e externos. Ao raiar da independência, os portugueses ainda aqui sediados recorreram aos soldados e navios para bater os brasileiros ainda desconcertados pela recente reviravolta de sua situação política. Coube ao Almirante Cochrane a expulsão dos portugueses ainda presentes na província da Bahia, levando consigo, em incrível perseguição até o tejo, o marinheiro Marques Lisboa.
Mais tarde, problemas intestinos viriam a sacudir a regência até a maioridade de Pedro II. As Forças Armadas seriam utilizadas, como nas demais nações latino-americanas, como uma força de gendarmerie, apta ao apresamento de nacionais que descumprissem as ordens emanadas do poder central. Foi nesta ocasião que diversos de nossos nobres ficaram conhecidos, mormente os patronos do Exército e Marinha (Caxias e Tamandaré).
Os perigos por que passava nossa soberania, as ameaças que nasciam no Prata e a fluidez de nossas fronteiras acabaram por vocacionar nossos solados e marinheiros à luta pela defesa fronteiriça. Foi o que acabou ocorrendo durante as crises platinas que culminariam na Guerra do Paraguai. Nesta, apesar de um início desastroso, o Brasil pôs a prova toda sua capacidade de mobilização. Desde a Batalha Naval do Riachuelo, que deu aos brasileiros o controle do tráfego marítimo no estuário do Prata, até a lufada final de Solano Lopez, as Forças Armadas permaneceram fiéis aos seus comandantes e ao seu Imperador, regressando, em triunfo, ao Rio de Janeiro.
Todas essas utilizações do hard power brasileiro foram provas incontestes da natureza pacífica e defensiva de nossos meios materiais de poder, cujo objetivo esteve muito mais voltado à dissuasão que ao imperialismo. Esta faceta da monarquia brasileira, bastante difícil de se encontrar nas monarquias europeias de então, talvez seja a grande diferença entre o pensamento nobiliárquico dos brasileiros e suas contrapartes do Velho Mundo: não se pensava, aqui, em campanhas imperialistas de conquista, como visto no mesmo período em França, Rússia, Reino Unido, Prússia/Alemanha e Itália. Indo na contramão dos poderes da Era dos Impérios, o Brasil permaneceu fiel aos ideais de uma “pátria livre”, longe das querelas imperialistas.
Neste contexto, o paradigma saquarema de Relações Internacionais foi-se forjando: uma comunhão de defesa da soberania e prestígio internacional, que culminou nos feitos de um dos últimos nobres do Império: o Barão do Rio Branco. Cônscio do estado de coisas dentro da caserna (que havia passado pela vexatória campanha de Canudos e pelas Revoltas da Armada e da chibata) Rio Branco procurou, como seu pai José Maria da Silva Paranhos, desenhar relações de império cordial, de Gigante Benevolente, na região da América do Sul, ao mesmo tempo que mostrava-se como líder dos países de terceira grandeza, como pode-se verificar na atuação brasileira na Segunda Conferência da Paz da Haia. Em nenhum momento, valeu-se o Ministro Paranhos Jr. ou os tantos presidentes que tivemos de suas forças armadas para a conquista de novos territórios ou de novas jazidas de matérias primas ou mercados consumidores, empregando-as (se é que se pode chamar assim) apenas para conter ameaças a nossa soberania, sobretudo no Acre, de forma dissuasória.
O grave problema que hoje se coloca às Forças Armadas é de duas matizes: no campo externo, são oferecidas tentativas de ganho de prestígio por meio de missões de paz sob a égide de organismos internacionais; no campo interno, cada vez mais são utilizadas como tropas de gendarmerie, pondo em dúvida, mesmo perante a opinião pública, a real necessidade de se possuir forças armadas.
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