O Rinoceronte

Por Bianca Montanas | Twitter: @biancamontanas1

Estes tempos criaram em mim a vontade de reler e falar a respeito de uma grande obra da dramaturgia – O Rinoceronte, de Eugène Ionesco. Junto com Samuel Beckett, ostenta o título de ser um autor do “Teatro do Absurdo”, mas a verdade é que absurda mesmo é a vida, ou melhor, o ser humano.

Ionesco foi generoso e nos presenteou com “este filtro especial” para enxergarmos a realidade uma forma menos direta. Apesar disso, sua obra não poderia ser mais incômoda. O Rinoceronte é a metáfora terrível E perfeita sobre a miséria humana. Absurdamente atual.

Uma cidade pacata do interior é surpreendida pela presença estranha de um rinoceronte andando pelas suas ruas. O primeiro a ver é Jean, homem escrupuloso e orgulhoso de si mesmo, em oposição ao seu amigo Bérenger, alcoólatra, desleixado e desesperançado.

Eles se encontram num bar e Jean tenta “enquadrar” seu amigo, para que pare de beber, cuide melhor de si mesmo e arrume uma namorada. Também destila sua vaidade e faz de si mesmo um exemplo a ser seguido pelo amigo, a quem quer ajudar.

Um Rinoceronte aparece nas ruas da cidade e Jean, ao vê-lo, fica completamente perturbado. Bérenger acha natural, mas Jean lembra ao amigo que não há Jardim Zoológico na cidade, o que torna o fato ainda mais espantoso. De onde teria vindo? Outras pessoas o vêem e a notícia se alastra rapidamente.

No bar onde estão Jean e Bérenger todos se agitam, apenas o nosso “anti-herói” permanece tranqüilo. Por enquanto o animal desfila, desafiador e imponente, mas logo mostra a que veio. Uma dona de casa tem o seu gato estraçalhado pelo rinoceronte e fica desolada.

 Alguém disse que viu outro rinoceronte e a discussão fica acalorada; alguns insistem tratar-se apenas de um rinoceronte, outros acham que são dois. Também discutem a respeito da quantidade de chifres do animal. Dá até briga.

Aliás, a criatura rende grandes conversas com ares filosóficos e demonstra o grande vazio que aqueles habitantes vivem em suas vidas. No escritório onde trabalha Bérenger, sua amada Daisy e outras pessoas, a Senhora Boeuf chega esbaforida após ter sido perseguida por um rinoceronte. Muito nervosa, ela diz que seu marido está um pouco resfriado e começa a chorar, até que ao olhar pela janela ela “percebe”que o rinoceronte aparentemente ameaçador é seu marido. Oh, como é possível? Sente-se culpada, não pode deixá-lo sozinho; então atira-se pela janela sobre o nte, animal, caindo montada sobre ele. Os dois vão embora para casa.

A cidade está ficando infestada de rinocerontes e os bombeiros já estão atuando para ajudar a população.

Bérenguer resolve ir visitar seu amigo Jean, com quem teve uma discussão sobre a origem da fera, se asiática ou africana. Ele nota que seu amigo não está bem de saúde, vai muito ao banheiro, parece estar com o tom da pele esverdeado, tem “um galo” na testa e a voz está rouca. Bérenguer quer chamar o médico, mas Jean  não deixa. Ele diz que “só confia nos veterinários”.

Evidentemente está se transformando em rinoceronte. Ele sente que não tem o controle e aceita a mudança, passa a pôr a natureza no lugar da moral e a considerar os rinocerontes “tão bons quanto nós”.

A transformação total acontece diante dos olhos de Bérenguer, que agora teme o “amigo” que o quer esmagar. Ele foge e corre para a sua casa.  Recebe a visita de um colega de trabalhão, Dudard. A cidade está praticamente toda tomada por rinocerontes e Dudard vem dizer a Bérenguer que o chefe deles também se transformou no animal. Bérenguer está destruído com a fraqueza dos seus antigos amigos, desespera-se, mas Dudard tenta acalmá-lo e é bem mais resignado que seu amigo. Ele relativiza o mal e diz que cada um faz suas próprias escolhas.

Enquanto Bérenguer sente-se ameaçado e profundamente inconformado com tudo o que se passa à sua volta, Dudard encara com naturalidade. Ele tranquiliza Bérenguer dizendo que este “não tem vocação” para virar rinoceronte. Eles vêem seus antigos amigos e conhecidos, agora rinocerontes rodearem a casa de Bérenguer, que sente-se ameaçado. Dudard diz que “eles são como crianças brincando”, mas seu amigo não consegue ter a mesma visão.

Os rinocerontes se multiplicam ainda mais, saindo de dentro das casas, das janelas, de toda parte.

Dudard começa a se sentir cada vez mais atraído. Daisy chega e Dudard se retira; Bérenguer implora que ele fique, mas não é correspondido. Seu amigo vai embora e une-se aos outros. Bérenguer e Daisy são os únicos sobreviventes. Ele se declara para ela. Estão acuados, o telefone não para de tocar e quando atendem ouvem rugidos.

 A ameaça é clara. Ligam o rádio, mas eles também já dominaram as rádios. Como sobreviver neste cenário?  Daisy diz que é preciso “se entender com eles”, depois confessa que não pode mais resisitir.

Bérenguer, o bêbado fracassado torna-se herói. No pior sentido da palavra, ele se desespera com sua solidão e lamenta não ter virado rinoceronte. Não sabe mais se vale a pena pagar preço tão alto pela liberdade, mas já é tarde para ele.  Ele venceu; “ganhou mas não levou”, como dizem. Ele encerra a obra, dizendo: “não me rendo”!

A semelhança com o mundo de hoje não é mera coincidência. Quanto tempo poderemos resistir? Quantos de nós vão conseguir? Qual o preço da consciência, da dignidade e da vida? O que falta àqueles que se entregam por tão pouco?

A verdade, talvez. Muitos não crêem nela ou fingem para sobreviver. Sem esperança, sem Deus, a vida não tem sentido.Quando O pomos em Seu primeiro lugar, o sentido de tudo reaparece. Não viramos rinoceronte. A vida atual usurpada pelo corona vírus nos coloca perante o mesmo desafio da obra profética de Ionesco.:a escolha responsável de cada um de nós pela  mentira ou pela verdade. No nosso Brasil, o povo tem consciência do valor do trabalho, da família, da vida e por isso reagem bravamente contra os falsos moralistas totalitários, que avançam contra a paz e a civilização.

A divisão social, mais que pela ótica econômica, agora passa pela régua das normas “sanitárias”. Hipócritas, impõe um sistema insustentável pelo prazer de oprimir os menores. Os “rinocerontes” de ternos e togas não se escondem mais e muitos estão sucumbindo aos seus caprichos. Não se dão conta do que estão fazendo a si mesmos. Deus tenha misericórdia do nosso país. Tenho certeza que aqui os rinocerontes não vão conseguir.

Eu sou Bianca Montanas para a coluna Arte & Reflexão, até a próxima!

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