Saída à Francesa, filme de Azazel Jacobs com roteiro de Patrick de Witt, estrelado por Michelle Pfeiffer em cartaz no NOW é uma decepção. Como fã da atriz, esperava ver um bom filme mas o roteiro é frágil. As personagens parecem não saber pelo que vivem ou para onde vão. Tudo parece casual ou “líquido”. Como se diz popularmente, “uma história sem pé nem cabeça”. Vazia.
Frances, (Michelle Pfeiffer) é uma ex-milionária que acabou de perder tudo; dinheiro, imóveis e terá que leiloar todos os seus bens para garantir a sua sobrevivência. Ela recebe a notícia como se fosse algo acessório, não a história de uma vida perdida.Abusando da beleza, da elegância e de um padrão de vida luxuosíssimo, Frances não sabe o que fazer. Sua amiga Joan, (Susan Coyne) oferece o apartamento em Paris para ela ir morar com seu filho, Malcolm (Lucas Hedges).
Frances é um tanto deprimida e temperamental, do tipo que bota fogo no enfeite de uma mesa de um café para forçar o garçom mal -educado a fechar a conta. Seus predicados aliados ao seu status, sempre fizeram dela o centro das atenções e da admiração de todos. Michelle está longe do vazio de sua personagem e por isso pode defendê-la tão bem, cobrindo-a de sutilezas e de um ar blasé que a faz parecer inatingível.
Sua dramaticidade é complexa, porque apesar de parecer oca, ela tem uma dor escondida para a qual parece não dar muita atenção. Analisar dá trabalho e definitivamente este substantivo não pertence à vida de Frances, acostumada aos prazeres da vida. Seu marido faleceu em casa e ela levou dois dias para avisar às autoridades.
Malcolm, seu filho, tem uma namorada – Susan (Imogen Poots) que o pressiona para dizer à mãe, que vão ficar noivos. Ele vai para casa decidido a contar, porém Frances o recebe com uma faca (numa reação emocional) na mão e a péssima notícia. Ele encara com naturalidade, pois na linguagem do filme “tudo parece normal o tempo todo”. Não há conflito por maior que seja que desafie o comodismo ou mereça contrição especial. “Lutar não é uma opção”.
Malcolm despede-se de sua namorada a quem diz amar, mas em momento algum propõe levá-la ou desistir de ir, para ficar com ela. Exceção à regra, este é um dos momentos verdadeiros do filme, cuja humanidade fica por conta de Susan. Diante da decepção, derrama algumas lágrimas e termina o relacionamento. Malcolm escondeu bem o seu amor; no cruzeiro a caminho de Paris, interessa-se por uma “bruxa”, (Danielle Macdonald) com quem tem um envolvimento durante o cruzeiro a caminho de Paris.
O relacionamento entre ele e sua mãe, parece o de dois amigos. Não brigam, não têm conflitos visíveis, não falam de problemas. No final do filme, Frances parece estar se desligando da vida, faz mea culpa e diz para Malcolm que o ama. Mostra humanidade. Outro destaque no elenco´é Valerie Mahaffey, (Mme. Reynard) em ótima atuação, responsável por momentos engraçados no filme.
Sua personagem é desajustada e nutre uma admiração exagerada e antiga por Frances, que beira o ridículo. Frances faz pouco dela, de início, deixando clara a relação “rainha-súdita”. Outro momento engraçado da personagem coadjuvante é o pênis (vibrador) que ela guarda no congelador, sinal de sua solidão. O filme se sustenta em torno de Frances-Michelle, explorando bem seus atributos de grande atuação e beleza, mesmo diante de seus mais de sessenta anos.
O enredo do filme é muito “horizontal”, não tem “desenvolvimento do plot” e muito menos clímax. O mais próximo disso acontece quando todo o elenco se reúne no apartamento de Frances, que na verdade pertence à sua amiga Joan. Além dos nomes citados, chegam Susan e seu novo- namorado -quase -noivo (Daniel Di Tomaso), a bruxa Madeleine e um detetive (Isaac de Bankolé), que vivem loucuras como “o jogo do copo” e uma queda de braço para disputar o amor de Susan.
Outro detalhe digno de nota é o comportamento perdulário de Frances durante todo o filme, desperdiçando somas exageradas de dinheiro seja para tomar um café, seja para comprar uma garrafa de vinho. Parece uma forma de debochar da vida antes de deixá-la. Ela está se despedindo, apesar do filme não esclarecer se ela morre naturalmente ou se ela se mata. Uma “atitude líquida” e esnobe.
Em evidente politização, Frances é abordada por um homem estranho num parque que lhe pede dinheiro e um policial se aproxima, perguntando se está tudo bem. Ela o trata mal e mostra-se simpática ao “estranho”. Em outra cena, ela vê um homem de sua janela, apanhando da polícia; numa manhã ela desce com um bolo de euros, puxa conversa com ele e oferece o dinheiro. Ele não aceita tudo, parece ter alguma dignidade, mas diz que “aquele ali” (um outro homem que está no banco ao lado) vai aceitar. Vai embora e ela então segue o conselho. O desafortunado agarra a sua sorte e sai imediatamente.
O filme termina com Frances saindo no meio da noite, para procurar seu gato que ela acredita ser seu marido. Ele a segue e ela prossegue. Dá a entender que não volta mais. A cena é bonita esteticamente, como o filme inteiro. Frances não estava mais suportando a vida, nem a ela mesma. Melhor mesmo morrer sem conhecer a vida, pois ela poderia se decepcionar com algum dos seus amigos de rua e descobrir que a polícia é importante.
Sem dinheiro e sem jamais ter trabalhado na vida, a única solução seria arrumar um novo marido, mas ela parecia não estar disposta. O verbo trabalhar é inadequado. Parece que era mesmo o fim da linha. Personagem para uma grande atriz, um palco para ela brilhar. Paris também contribui com sua beleza encantadora. Pensando bem, o filme não tem grandes pretensões; pode ser considerado uma comédia leve, mas fica aquém da definição. Talvez um drama leve. Melhor.
Pode-se dizer que é uma homenagem à grande estrela que é Michelle Pfeiffer, mas ela é muito mais; é uma atriz que não percorre caminhos fáceis. Frances poderia ser uma “perua”, mas ela sempre escapou de clichês. Frances seria grosseira e muito pretensiosa, não fosse a delicadeza de Michelle. O que fica na lembrança é a grande de sua atuação, de sua “fã coadjuvante” e a bela cena de sua despedida caminhando à noite, sozinha, numa rua de Paris. O gato-marido atrás, seguindo seus passos.
Cinema é imagem. Ela caminha sem olhar para trás, decidida. Não se sabe como Frances morre, mas com certeza ela não perdeu a elegância. Não houve medo, nem reações desastrosas. Ela não cabia neste perfil.
O fato do roteiro carecer de dramaticidade, sendo bem defendido pela direção e elenco, destaca a habilidade de Michelle em prender o público para ver o que vai acontecer com sua personagem , pois tudo gira em torno dela.