Por Michel Barcellos Via ShockWave News
Quando vemos indivíduos simples, desprovidos de cultura apresentarem reações mais coerentes que a de outros mais esclarecidos devemos no mínimo perceber que a cultura está envenenada. Um dos elementos que envenena a nossa cultura é a crença mística nas instituições democráticas.
Na semana que passou passamos pela agonia de ver um representante do povo ser mantido preso à revelia da lei, sob a escusa de que aquele ato justamente serviria para manter a lei e a ordem. Em meio à confusão o parlamentar desculpou-se inúmeras vezes diante de todos os seus algozes, na esperança de ser agraciado com a mercê destes. Em inglês há um termo para definir esse tipo de reação: DOA – Dead On Arrival –, um termo usado na saúde para designar que o paciente já estava “morto na chegada” do socorro.
Se as instituições em que o poder é concentrado se assemelham a uma raça de víboras, o pior momento para retratar manifestação a respeito do caráter dos envolvidos é quando estes estão na posição de julgadores. A humilhação diante do mau faz-lhe parecer que é bom.
Quando vemos indivíduos simples, desprovidos de cultura apresentarem reações mais coerentes que a de outros mais esclarecidos devemos no mínimo perceber que a cultura está envenenada. Um dos elementos que envenena a nossa cultura é a crença mística nas instituições democráticas.
Qualquer um que trabalha sob o pressuposto da manutenção das “instituições democráticas” está fadado a cair numa armadilha enorme, pois “um pequeno erro no início torna-se grande no fim”, como ensina S. Tomás de Aquino, ao citar Aristóteles. Em que pese minhas técnicas de redação serem deprimentes, vou tentar explicar o problema das instituições democráticas da melhor maneira que eu possa me fazer entender.
Ao final do século passado o ex-agente da KGB, Yuri Bezmenov, desertou e conseguiu asilo no Ocidente, e logo expôs em palestras e entrevistas a estratégia de subversão das nações pela qual a agência onde trabalhava movia esforços para desestabilizar os países, para poder tomar controle deles. Dentre as inúmeras táticas mencionadas por ele temos a criação de órgãos artificiais na sociedade, para que o povo ficasse confuso no momento em que sentisse a nação ruir e recorresse a mecanismos de defesa que apenas a destruiriam ainda mais. Quando a União Soviética se formou, montou a KGB, a estratégia de subversão das nações e a tática de criação de órgãos artificiais as bases para estes já estavam muito bem fundamentadas e estas eram as instituições democráticas.
As instituições democráticas estão fundamentadas na teoria da tripartição dos poderes, de Montesquieu, onde temos os poderes executivo, legislativo e judiciário governando e fiscalizando uns aos outros para que nenhum se sobreponha ao outro e a nação siga sempre em direção ao bem comum. Pela assimilação dessa teoria as reações de enfrentamento de problemas endêmicos apresentados nos três poderes tendem as da ordem da limpeza destes organismos, pela mudança de seus agentes, ou até mesmo pela criação de um quarto poder moderador dos anteriores, como o fez D. Pedro I na primeira constituição brasileira, e hoje requerida por muitos monarquistas, e até alguns republicanos aleatórios. Sucede que esta teoria já é desde sua concepção um mecanismo artificial de controle da sociedade.
Na aula 556 do Curso Online de Filosofia o professor Olavo de Carvalho ressaltou que, na verdade, há apenas dois poderes: o espiritual e o temporal, sendo o espiritual representado pela Igreja e o temporal representado pelos detentores das forças armadas organizadas. Diante da submissão do poder temporal ao poder espiritual o Antigo Regime reconheceu a existência de um terceiro poder: o poder do povo. Por isso, ancien régime se dividia em três poderes: Primeiro Estado (monarca e nobreza), Segundo Estado (clero), Terceiro Estado (o povo, representado por seus “bons homens” – cidadãos de valor comprovado por medidas legais positivas não muito precisas, mas que satisfaziam as necessidades da época – que tinham direito ao voto). Havia legislativo e judiciário no antigo regime, mas estes não eram poderes, e sim mecanismos de exercício de poder compartilhados pelos Três Estados.
Ainda que houvesse determinada submissão do Primeiro Estado ao Segundo Estado, o Antigo Regime pode já ter se estabelecido diante de um vício: o poderio militar ajuntado pela nobreza foi determinante para a formação dos estados-nações, independentes do poder romano, controlado pela Igreja Católica, que deu origem à Reforma Protestante, com a instituição das igrejas nacionais.
Apesar de o surgimento dos estados nacionais ser anterior à Reforma Protestante a questão da sobreposição do poder temporal sobre o poder espiritual é pertinente. O poder espiritual é um poder universal, como o próprio nome da Igreja Católica traz em si, sendo “católica” tradução para universal, ou global, até certa medida.
Há narrações de formações de nações independentes que apontam influência divina. No século XIII, S. Tomás de Aquino escreve Do Reino, onde ensina que o melhor chefe de estado para conduzir a nação deve ser o rei e que este, se exercer seu ofício com virtudes para guiar sua nação a Cristo, receberá o prêmio da bem-aventurança.
Quando Cristo declara que seu Reino não é deste mundo ele estabelece a linha de sucessão apostólica para o exercício temporal do governo de seu reino espiritual, isso não faz com que o governo temporal deixe de ser competência divina. Pois, se o objetivo de todo ser humano é encontrar-se com Deus, em última instância quem deve guiá-los para Deus é o Próprio e qualquer homem que receba a função de tomar a liderança do governo deve estar ciente que para exercer seu trabalho com excelência deve este buscar submissão de seus atos à vontade de Deus.
Não é por razão diferente que nações antigas tomavam os seus governantes por personalidades divinas. Não é necessário conhecer a Deus para saber que o governo é função divina, já que o próprio mundo foi criado sob essa ordem. E, ainda que não se conheça a Deus, qualquer um que vive no mundo conhece ao menos a parte onde vive, sendo natural reconhecer a competência divina do governo, já que o homem é criação divina, e a ligação com o Criador está na natureza do homem, ainda que, decaído, desconheça quem seja Ele.
A divisão de poderes de governo sobre o homem não pode decorrer de outra coisa senão do próprio homem. O poder temporal é a ampliação do poder físico do homem e o poder espiritual é a ampliação do poder intelectual do homem. Corpo e mente, ou corpo e espírito são o que dão origem aos poderes do estado. Só que um dos poderes do estado não é do estado nacional, mas do estado universal, pois é exercido pela Igreja.
Isso não é uma projeção de ideais, mas uma análise da realidade. Não se deve buscar que os poderes sejam esses porque eles já o são. A sociedade que vive em termos distintos não pode estabelecer outros poderes, mas apenas estabelecer uma mentira para controlar o povo e governá-lo sob essa mentira. Não é idealismo reconhecer que os poderes verdadeiros são o físico e o intelectual. Idealismo é inventar que os poderes são executivo, legislativo e judiciário. Enquanto um é reflexo da natureza, o outro é artifício de controle.
Compreendidos os poderes físico e espiritual cabe perguntar se estes são os únicos. E a resposta é não. Se a sociedade é reflexo do indivíduo e as partes do estado são reflexo das partes do indivíduo, o ser humano é dividido em três partes: corpo, alma e espírito. O poder físico é reflexo do corpo e o poder intelectual é reflexo do espírito. Que poder é reflexo da alma?
Para responder a essa pergunta é necessário compreender o que é a alma. A alma é a parte do homem responsável pelos sentimentos. A alma ama, a alma odeia, a alma deseja. A alma tem desejos e o espírito tem vontades. A alma tem sentimentos e o corpo tem sentidos. A alma é a ligação do corpo com o espírito. Esta é a função do terceiro poder: fazer o contrapeso entre os dois primeiros.
Sendo a alma aquela quem carrega os sentimentos e reconhecendo que dentre os sentimentos existem aqueles mais elevados, que refletem o bem, e aqueles mais baixos, que refletem o mal, o poder da alma na sociedade se reflete no seu povo. Dentre o povo existem os que se mostram mais virtuosos e os que se mostram menos virtuosos e é assim que se seleciona os que podem se candidatar para o exercício deste poder na sociedade, por meio do sufrágio e da ocupação de cargos públicos.
Se o terceiro poder é o poder do povo e este poder decorre da alma, sendo a alma capaz de vícios e virtudes, o sufrágio universal é a elevação dos vícios à mesma categoria das virtudes e a eliminação das diferenças entre certo e errado. O sufrágio universal é a permissão para o governo dos vícios em detrimento das virtudes.
Enquanto toda a ciência jurídica empreende enormes esforços para fazer funcionar a teoria de tripartição de poderes de Montesquieu, o Antigo Regime já tinha tudo solucionado com a divisão de poderes nos Três Estados, que eram reflexo perfeito da natureza humana, sendo o Primeiro Estado reflexo do corpo, o Segundo Estado reflexo do espírito e o Terceiro Estado reflexo da alma.
Por isso é que qualquer político que resolver defender as “instituições democráticas” estará entregando ao inimigo a corda com que será enforcado.
Sem a compreensão dos verdadeiros três poderes do estado é impossível discutir-se a questão do poder global e do estado nacional.
Em que pese Yoram Hazony ser brilhante em seu livro A Virtude do Nacionalismo este não resolve o problema por ele mesmo proposto quanto à questão de ser a Igreja Católica um poder de característica imperialista. Hazony propõe que para uma sociedade ser livre ela deve fortalecer a sua nação, para proteger-se de qualquer império que queira subjugá-la, sendo a natureza do império subjugar as nações. Ele fundamenta sua proposição com base na história de formação das sociedades narradas tanto na Bíblia como em outros livros históricos. E eu não discordo dele sobre a virtude do nacionalismo.
É muito interessante o modo que Hazony trata a Igreja Católica, colocando-a em paralelo com os globalistas, comunistas e todos que pretendem governar o mundo inteiro sob um império global, porque podemos enxergar a Igreja Católica como concorrente dos globalistas! E essa percepção é importante até mesmo para identificar as maneiras com que eles podem agir para dominar os povos da terra.
Ao perceber o modo como os três poderes se estabelecem, não como uma possibilidade, mas como um reflexo da realidade, sendo o poder espiritual internacional e os poderes temporal e do povo nacionais, a análise de todos os meios de ação aplicada às forças que pretendem subjugar as nações do mundo pode passar pela maneira como a mudança dos critérios morais servirá para erigir uma nova religião universal para servir de poder espiritual que submeterá os outros dois poderes a ela.
Sob essa perspectiva a ação de instituições metacapitalistas ligadas a pautas morais podem ser identificadas como a formação e elevação de um novo poder espiritual para submeter os governos e as nações. Assim como a Igreja Católica converteu povos e governantes, o novo poder espiritual trabalha na conversão aos seus novos valores morais – que são um tanto quanto imorais, diga-se de passagem, tendo como uma de suas ferramentas de conversão o suborno.
Ou seja, o incentivo de pautas nacionalistas como “Brasil acima de tudo” e “make America great again” sem a percepção do poder espiritual que se forma para subjugar as nações torna todas as ações dessas pautas inócuas.
Temos uma religião universal dada pelo próprio Deus em pessoa, o catolicismo. Ela é o poder espiritual e um poder global. Temos os poderes nacionais, que são as armas e o povo. Mas eles estão completamente desordenados. O poder temporal englobou o poder do povo dentro de si, enganou-o dizendo que não existe poder espiritual, usando das pseudo-religiões iluminista e positivista para ludibriar o povo e utilizando-se da teoria tripartite de poderes de Montesquieu para colocá-lo no círculo vicioso da democracia.
O povo exerce seu poder praticando virtudes, começando pela submissão ao poder espiritual e pela formação de núcleos familiares fortes. Com a submissão ao poder espiritual o povo pode se organizar em instituições decorrentes da família, como clãs e tribos ou outros tipos de associações que tenham como pressuposto a submissão da família a Deus para que com isso se atinja a liberdade de espírito. Quando todo empreendimento comercial, político, social, ou qualquer que seja se empenha na submissão à vontade de Deus o povo consegue fazer o poder temporal se espelhar nele. O poder de coerção do povo é mínimo, assim como o poder de coerção do poder espiritual. Mas a união do poder do povo com o poder espiritual faz com que o poder temporal não consiga obrigar o poder do povo a se submeter a ele, ainda que seja o que detém poder coercitivo maior.
O poder de resistência que o povo adquire com o acesso às armas de nada serve se não for usado para submeter o poder temporal ao poder espiritual, sendo que o poder espiritual dá limites para a resistência que o poder do povo pode oferecer ao poder temporal, já que o poder temporal também é um poder divino.
Por isso é que Gene Sharp, quando afirma que a resistência não violenta tende a ser mais perene, ele tem um fundo de razão. As próprias armas são o poder temporal e o acesso às armas é o acesso a uma parcela do poder temporal. É bom que o povo tenha acesso a parte do poder temporal, assim como ele tem acesso ao poder espiritual cada vez que coloca um de seus filhos em seminários. Ao fazer isso o integrante do poder do povo deixa de pertencer a este para pertencer ao poder espiritual. Assim que como a aquisição de uma arma não fortalece o poder do povo, mas apenas lhe dá uma pequena parcela de poder temporal. O poder do povo é de outra natureza, a natureza emocional. A aquisição de uma arma não fortalece o poder da emoção, apenas reconhece que a emoção sozinha tem poucas forças para se impor.
Ainda que eu possa ter feito muitas confusões ao longo do meu texto, pois não sou intelectual (sim, eu tenho diploma, mas isso não faz de mim um intelectual) e não examinei todas as questões acerca dos temas que eu tratei, creio que eu consegui expor um pouco sobre como se deve tratar a política baseando-se no indivíduo e objetivando-se a Deus, e que qualquer desvio desse caminho pode resultar na derrota, não do indivíduo, mas do próprio povo, pois o indivíduo busca a morte para obter a salvação – sendo que é a vida que deve justificar a salvação e apenas depois de viver uma vida justa é que a morte deve chegar, nunca provocada por meios artificiais, que tirariam toda a justificativa da salvação. Buscar restaurar a forma do poder temporal para adequar-se a sua natureza, em harmonia com o poder espiritual e o poder do povo deve ser a pauta política primária de todos aqueles que tenham acesso a esse poder e endossar a teoria tripartite de poderes de Montesquieu é fazer justamente o oposto disso.
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