Por que prefiro a ‘Comédia dos Erros’

Na coluna Ação & Reflexão desta semana, a atriz Bianca Montanas traz sua visão sobre a obra do poeta, dramaturgo e escritor William Shakespeare, Comédia dos Erros. A seguir o texto, para relembrar e destacar a obra, de certa forma apagada mediante ‘Romeu e Julieta’, ‘Sonho de uma noite de verão’, ‘Otelo’, ‘Macbeth’; mais famosas e que revelam a queda da humanidade pelo “modão”, pelo “dramático”, pelo “sertanejo” e o “romântico”, o que não parece ser o caso da nossa colunista. Entenda:

Amor não se explica, simplesmente acontece.

Foi “amor à primeira leitura”. Desde as primeiras linhas da Comédia dos Erros o encanto foi imediato. Primeiro pelo cativante relato de Egeu, personagem que narra a façanha trágica da família, que dá início à trama. Cheio de amor e entregue à saudade, o leitor/espectador é cativado pela tristeza do personagem que nem faz questão de lutar pela própria vida. Não, ele não está doente, está em Éfeso, cidade inimiga de Siracusa e por isso está a caminho da morte.

Egeu perdeu parte de sua família num naufrágio há trinta e três anos. Quando seus filhos recém-nascidos e gêmeos, sua esposa e outro par de gêmeos comprados para serem criados dos outros dois, são separados, Egeu fica com um dos filhos e com um dos futuros serviçais; sua mulher e os outros dois, desaparecem no acidente. Dezoito anos depois, os dois jovens resolvem sair pelo mundo à procura de seus irmãos e separam-se de Egeu. Um dia, ele resolve procurá-los pelo mundo e acaba em Éfeso.

O inimigo representado pelo Duque, antes de condenar Egeu à morte, permite que ele conte a sua história. Dá-lhe mais algumas horas até o final do dia para que ele consiga a quantia necessária para a sua libertação. Um dia é tempo mais do que suficiente para Shakespeare criar infinitas situações hilárias, complicadas e românticas, levando o público a uma das experiências teatrais mais encantadoras e inesquecíveis da sua vida. Na minha opinião, totalmente parcial.

Por que falar disso agora, num momento tão dramático do mundo e do país? Tantas pessoas com medo de um vírus, discutindo se devem tomar ou não vacina; democracia violada nos EUA e tantos outros problemas, falar de um texto escrito no século XVI?! Esta é a intenção, fugir deste mundo miserável e previsível e pedir ajuda à arte que nos salva. Ou melhor, à mente brilhante que teve a missão de engrandecer um mundo doente, tornando-o melhor. Como Chaplin, Molière e outros escolhidos.

Retomando a história; logo na segunda cena Shakespeare inicia a confusão que vai chegar às últimas consequências. A “primeira dupla”, Antífolo e Drômio de Siracusa combinam que este último, vá para a estalagem onde vão ficar hospedados levando uma quantia grande em dinheiro. Mais tarde se encontrarão para jantar. Pois este sai de cena e minutos depois, chega o seu “sósia”. De imediato, Antífolo reage: “Que é que há? Por que voltaste assim tão cedo?”; ao que o outro Drômio – de Éfeso – responde “Tão cedo? Perguntai por que tão tarde”. E a confusão começa…

Daí em diante, a história toma um viés “pastelão”: de “bordoada em bordoada”, cada Antífolo enquadra seu respectivo Drômio, que não sabe(m) porque razão está (ão) apanhando. Em seguida, uma “troca de marido” transforma a comédia num drama. Sim, Shakespeare não é superficial, ele gosta de conflito. Não há teatro sem bons conflitos, assim como não há comédia, sem confusão. Um dos grandes méritos desta peça é ser inocente e romântica.

Não vai haver “spoiler” justamente para instigar o leitor a conhecer a obra do maravilhoso dramaturgo (possivelmente o maior da história do teatro). Mas acrescento que a inteligência dos versos e a criatividade do autor para criar e desenvolver as situações é realmente coisa de gênio. Destaque para o momento em que o Drômio de Siracusa conta para seu amo o encontro que teve com uma mulher (que ele nunca viu), segundo ele “enorme”, que dizia “que ele era dela”. De chorar de rir.

A tal mulher o persegue e o quer para ela, mas na verdade ela quer o seu irmão. Cena leve, ritmo acelerado. Similar ao que acontece com o seu patrão, encurralado numa situação parecida, confundido com o seu também irmão, casado com Adriana. Esta o encontra e confunde-o com seu marido, levando-o para casa para jantarem, enquanto o verdadeiro marido ao chegar em casa é impedido de entrar. Imaginem só,,, Mas Shakespeare contorna bem a situação.

Antífolo de Siracusa (o falso marido) se encanta por Luciana, irmã de Adriana, evitando contato com esta. Bem diferente dos romances modernos, simpáticos ao sexo livre e sem “moralismos”. Ele é visto como louco, pois de repente está desinteressado da esposa e amando a cunhada. De verso em verso, de tropeço em tropeço o público vai se envolvendo na história e torcendo pelos personagens, aguardando o final feliz, que é certo. Espetáculo perfeito para o momento atual. Se fosse possível…

Agora mesmo, estou tendo uma experiência divertida em família, num domingo, vendo uma excelente comédia. Dá para esquecer da censura no Youtube, dos esquerdistas e seus terríveis projetos. Dá para pensar na importância de uma cultura saudável, que promova bons valores e bons ídolos. A arte influencia as pessoas, cria sonhos, promove conhecimento. E fica na memória do povo, que pode conhecer melhor sua própria história.

Há aqueles que se preocupam em classificar as profissões em ordem de grandeza, começando sempre pela medicina. Nada contra esta visão, porém quero lembrar que em primeiro lugar veio a fé que uniu as pessoas em torno de uma comunidade e da família e que a arte acompanhou o homem desde os primórdios, nos rituais, pinturas e seus registros nas cavernas. Onde há vida há arte. Ela deixa marca no tempo e traduz uma época. O que será da arte em tempos pós-covid? Só Deus sabe…

Gostou? Divulgue para os amigos, leia as obras citadas e divirta-se com o mundo de Shakespeare!

Essa é a coluna Ação & Reflexão, até a próxima!

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