[Cultura & Variedades – Entrevista]
“Um Estado que conduz a Arte e suas mensagens, em verdade, sufoca-a.”
Bem vindos ao quadro Com a Palavra, da nossa coluna de Cultura & Variedades!
Para abrir em grande estilo este espaço de entrevistas, tive a honra de conversar com o gestor público, advogado e ativista conservador Victor Lucchesi.
Tribuna de Santa Cruz – Bom dia, Victor! Muito obrigada por ter aceitado o nosso convite para ser o nosso entrevistado de estréia!
Victor Lucchesi – Bom dia, Clara! Ótimo falar para a Tribuna de Santa Cruz.
TSC – Por gentileza, nos fale um pouco sobre você: Como foi a sua trajetória até chegar ao IPHAN?
Victor Lucchesi – Eu participei, desde os 16 anos, de movimentos políticos antipetistas. Iniciei minha trajetória partidária no PSDB, infelizmente, embalado pelo “teatro das tesouras”. Quando comecei a ler mais sobre o Conservadorismo, por meio das obras de Leandro Narloch e Luiz Pondé, percebi que algumas bandeiras antipetistas eram demasiadamente progressistas e, então, tomei conhecimento das matrizes marxistas do PSDB assistindo aos vídeos do Professor Olavo de Carvalho. Assim, em 2017, fui convidado pelo Deputado Federal Marcelo Álvaro Antônio, ex-ministro do Turismo, a quem conheço desde a infância, a participar do projeto de eleição presidencial do Capitão Jair Messias Bolsonaro. Desta feita, assumi a presidência do PSL jovem em Minas Gerais, organizando carreatas em Belo Horizonte e no interior do estado.
Como advogado, atuei como procurador da Federação dos Circuitos Turísticos de Minas Gerais, bem como assessorei diversos municípios em regime de contratação por inexigibilidade de licitação. Esta experiência na área pública, somada ao fato de ser especialista em gestão pública com Pós-Graduação em Direito Administrativo, levou-me a ser convidado pelo, então Ministro, Marcelo Álvaro Antônio a assumir o cargo de Diretor no IPHAN em janeiro deste ano.
TSC – Podemos falar sobre alguns aspectos técnicos? Existe diferença entre tipos de tombamento? Quais implicações eles exercem sobre as propostas de mudanças nas paisagens urbanas?
Victor Lucchesi – Quando se fala em tombamento de patrimônio material, existe o chamado “Tombamento em Sítio”, normalmente mais restritivo, porque envolve uma circunscrição territorial ampla, como um centro histórico, por exemplo, e o tombamento predial, de um único imóvel. Em ambos os casos, as reformas são permitidas somente quando atinentes a reparos estruturais, ou a restaurações que busquem aproximar o patrimônio do que era originalmente.
No caso do patrimônio em sítio, uma reforma de um único imóvel, que busque a adequação deste ao uso de seus proprietários, é mais plausível do que no tombamento de um imóvel em específico, pois interessa mais a manutenção da fachada, que dialoga com o ambiente. Quando uma única propriedade é inscrita em algum dos livros do tombo, a propriedade privada passa a ter restrições em seu manejo.
TSC – Uma curiosidade: De onde surgiu esse termo – tombo/tombamento? Tem a ver com o verbo tombar, de cair? Pode parecer uma pergunta boba, mas creio que muita gente desconhece a origem do termo e tem essa dúvida.
Victor Lucchesi – Apesar da semelhança, a palavra não deriva de tombar, no sentido de cair. Advém do “Livro do Tombo”, de origem portuguesa. Em Portugal, “tombo” tem sentido de “registro”. Quando se “tomba” um bem, se registra este bem nos livros do tombo.
No caso do IPHAN são quatro: O do Tombo Arqueológico, de valor antropológico e relacionado à ocupação pré-histórica e histórica; o do Tombo Histórico, de vinculação com fatos memoráveis; o do Tombo das Belas-Artes, referente às artes de caráter não utilitário, ou seja, a arte como um fim em si mesma; e o do Tombo das Artes Aplicadas, que engloba mobiliário, decoração, arte gráfica, entre outros.
Quando se registra algo de interesse histórico, artístico ou cultural, inventariando-o como bem passível de preservação e proteção, dá-se o tombamento. Esse registro é um ato administrativo de competência do Poder Público, seja ele da União, dos Estados ou dos Municípios. Todos os entes federativos possuem essa prerrogativa.
TSC – Qual o papel do Estado nessa preservação? Quais as competências de cada instância?
Victor Lucchesi – O Estado tem obrigação de preservar sua História, diante do direito constitucional à defesa da memória. A Cultura é o elo máximo de conexão de um povo, definindo-lhe a identidade. As esferas municipal, estadual e da União, respectivamente, são responsáveis por tombamentos cuja relevância histórica/artística seja de interesse público em seus níveis. A comida típica de uma cidade, por exemplo, pode ser declarada patrimônio imaterial pela secretaria de cultura daquele município. Se, entretanto, a comida é uma iguaria apreciada por todo o estado, será patrimônio imaterial estadual e, se houver tangência no país inteiro, caberá ao IPHAN o tombamento.
TSC – Quais são os pré-requisitos para que algo seja considerado patrimônio material ou imaterial? Certamente existem algumas especificações para que o elemento cultural receba esse título, certo?
Victor Lucchesi – A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, em seu art. 216, que os bens “portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” constituem patrimônio cultural brasileiro, desde que tombados individualmente ou em conjunto. Na prática, para que esta descrição abrangente não se perca em generalizações, o IPHAN segue o decreto nº3. 551/2000, que apresenta critérios mais específicos, pautando-se no princípio da legalidade, para reconhecimento destes bens culturais por meio de processos administrativos que precedem a inclusão do bem em um dos livros do tombo.
São limitadas as autoridades que podem ser partes legítimas para provocar a instauração do processo desse registro, sendo elas: Ministro de Estado da Cultura (ou cargo equivalente, visto que a estrutura administrativa do Estado Brasileiro é mutável de acordo com o governo vigente), instituições vinculadas ao Ministério da Cultura (ou órgão equivalente), secretarias de estado, de município e do DF, e sociedades ou associações civis. O processo é amparado, via de regra, pela avaliação rigorosa e criteriosa de antropólogos, historiadores, arquitetos e engenheiros que compõem o quadro técnico de servidores do IPHAN. Cabe a eles avaliar se há ou não essa relevância no bem objeto de tombamento.
TSC – Existe alguma relação entre esses processos e correntes políticas? Seria possível considerar que toda essa estrutura está desvinculada de qualquer vertente ideológica?
Victor Lucchesi – É impossível desvincular qualquer decisão, jurídica ou administrativa, de sua influência ideológica, seja no poder público ou âmbito privado. Reconhece-se esse raciocínio até mesmo pela corrente majoritária da filosofia jurídica moderna. Há uma busca incessante pela abstração máxima do caráter político-partidário das decisões administrativas, sobretudo porque a máquina pública é composta, em sua maioria, por servidores efetivos que, exatamente por serem efetivos, não trazem consigo quaisquer compromissos com grupos políticos específicos. É uma tarefa árdua, entretanto, pois o homem é um animal político, e suas preferências políticas acabam influenciando sim, em algum grau, decisões que, num mundo perfeito, seriam 100% técnicas. Embora o tecnicismo pleno seja utópico, pode-se dizer que se esforçam ao máximo para que a abstração da influência política seja a maior possível, pautando-se em critérios objetivos e impostos por regramentos pré-estabelecidos como leis, decretos e portarias.
TSC – E como essa atuação pode ser descrita no atual contexto brasileiro?
Victor Lucchesi – Como reflexo da mudança ideológica vivenciada em caráter nacional nos últimos cinco anos, a classe do funcionalismo público, por permanecer estável, pode apresentar certo descompasso com o anseio do novo “brasileiro-médio” como agente político com tendências ao liberalismo econômico.
TSC – Como você vê esse distanciamento entre o funcionalismo público e a macro visão da população? Existe algum fator preponderante?
Victor Lucchesi – Como ativista conservador de direita, sou suspeito para falar. Creio que a população brasileira, hoje, é majoritariamente afeta à funcionalidade da iniciativa privada. Desejam menos gastos, menos burocracia, e mais celeridade da gestão pública. Ocorre que, por conta da própria legislação que tange o direito administrativo, em seus mecanismos, até ultrapassados, de proteção à corrupção, a máquina pública não tem a mesma praticidade da iniciativa privada. Isto gera frustração, sobretudo na geração marcada pela solução instantânea de demandas pelos meios virtuais. A tecnologia que chega ao mundo privado, não entra na máquina pública com a mesma força. Há, porém, o princípio administrativo da eficiência, constitucionalmente estabelecido, que pode evocar uma revolução na gestão pública. Estou ansioso pela reforma administrativa a ser apresentada pelo Governo Federal do Presidente Jair Bolsonaro e pela equipe econômica do Ministro Paulo Guedes.
TSC – Qual o papel do Conservadorismo neste contexto?
Victor Lucchesi – O conservador é um cidadão que anseia por mudanças graduais, prudentes e seguras, opondo-se aos revolucionários, por sustentar que prevaleça o que é testado pela força do tempo e não pela vontade imediata. O mercantilismo, a eficácia do modelo capitalista e os bons resultados da liberdade econômica são, todos, aprovados pelo teste do tempo. Importar o modelo mais liberal possível para a máquina pública, portanto, é o mais aconselhável, do ponto de vista de um conservador. Busca-se, promovendo mais liberdade de atuação na máquina pública, reduzir a quantidade de gastos desnecessários, focando naquilo que impacta diretamente a vida cotidiana do cidadão. Temos que, urgentemente, gastar menos com a máquina em si, e mais com o que ela pode prover à população.
TSC – E como essas mudanças beneficiam o setor cultural? Pode-se dizer que, por muito tempo a Cultura esteve subjugada ao poder do Estado? Se sim, seria a otimização dos serviços aos moldes do setor privado uma maneira de tornar o segmento artístico mais livre e independente?
Victor Lucchesi – A manifestação artística, a meu ver, é sempre subversiva, incontrolável, antigovernamental. A Arte rompe com o Estado. Não é e não pode ser conduzida por ele. Portanto, ela difere de outros setores da cultura que, em minha opinião, precisam de amparo e proteção, como os bens culturais históricos, por exemplo. Acredito que a Arte deve ser completamente independente do governo, seja ele qual for, para atingir seu fim último: transmitir a sua própria mensagem e não a mensagem de algum partido que ocupe o poder por um determinado tempo, como aconteceu durante a era PT.
Um Estado que conduz a Arte e suas mensagens, em verdade, sufoca-a.
TSC – Bravo!
Creio que, depois desta brilhante resposta, podemos encerrar esta conversa absolutamente agradável. Gostaria de acrescentar mais alguma coisa ao que foi dito aqui? Quais as suas considerações finais?
Victor Lucchesi – Clara, só tenho a agradecer pela oportunidade de falar ao público conservador. Gostaria de deixar uma mensagem aos parlamentares de direita do nosso país: Por favor, invistam mais do seu tempo, seus esforços e suas emendas ao orçamento para a Cultura. A História do Brasil é amada e respeitada por qualquer um que seja um legítimo conservador, sobretudo pelos adeptos da causa monárquica. Como explicar, então, que a esquerda esteja à frente dessa pauta tão importante para a identidade cultural da nossa nação? Até quando permitiremos que eles contem a nossa História, deturpando os bravos feitos de nossos soldados nas Batalhas de Independência, da Guerra do Paraguai, na anexação diplomática de territórios, que tornaram o nosso país grandioso como é, e tantos outros momentos memoráveis da nossa querida pátria? Temos que lutar pela nossa versão dos fatos e da História. Somente com atenção às demandas da Cultura é que conseguiremos alcançar este fim.
TSC – Fico muito feliz por você ter prestigiado a minha coluna, Victor! Anseio por novos encontros como este, para que possamos descortinar os bastidores da Cultura para o nosso povo e assim, quem sabe, despertar nele o senso de valorização que o segmento tanto precisa.
E você, caro leitor que nos acompanhou até aqui, agradeço de coração o tempo investido em ler esta conversa!
Esta é a Coluna Cultura & Variedades. Espero que apreciem a leitura, e até a próxima!

Excelente! Muito bacana ler uma coluna voltada para o público conservador. Quanto ao entrevistado, não poderiam ter escolhido um nome melhor para representar o conservadorismo e a preservação da memória de nós, brasileiros. Parabéns!
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Muito obrigada, Isabela! Fico feliz que tenha gostado da entrevista!🥰
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