A carta de intenções de indenização dos alforriados pela Imperatriz Isabel I do Império do Brasil

Crônica de um sonho com triste fim.

[Opinião. Formação de Imaginário. Literatura. Carta verdadeira, atualmente no museu de Petrópolis]

Isabel foi privada de seu país amado, seu sonho de indenizar a parcela do povo brasileiro pela qual ela tanto lutou, teve sua casa – a qual foi comprada com seu dote e recursos franceses de seu noivo – e pertences pessoais expropriados pelos golpistas de 1889; seu futuro reinado (primeira mulher Imperatriz na América do Sul), enfim… tudo lhe foi roubado e hoje tem sua memória vilipendiada em várias oportunidades por brasileiros doutrinados e expropriados de sua verdadeira história.

Princesa Isabel a Libertadora – por J.G. Fajardo

Necessário começar esses escritos com essa lembrança extraordinária da pessoa de Isabel, que, da mesma forma que D. Pedro I (mencionado em outro texto) não pode ser interpretada com o olhar de nossos tempos com preconceitos, doutrinas, narrativas e desejos de desconstrução.

Foi uma mulher muito à frente do seu tempo, descendente de D. Leopoldina no talento para a política, para governar e realizar grandes coisas, a qual merece apenas apenas ser apreciada, compreendida e celebrada.

Assim somos nós também. Creio que ninguém gostaria de sofrer escrutínio com 200 anos de atraso por pessoas que desconhecem absolutamente o contexto, motivações, impedimentos e perigos.

Longe de esgotar o assunto (porque ainda tenho muito o que falar da Libertadora ao longo do tempo), passemos à carta em comento.

O original da carta a seguir se encontra no acervo do Museu Imperial de Petrópolis e demonstra as intenções da Redentora para viabilizar uma indenização para ex-escravos, a fim de que pudessem se inserir na sociedade por meio de algum trabalho sustentável e para as mulheres, além disso tudo, a chance de ter independência e espaço em uma sociedade patriarcal.

Existem muitas narrativas mentirosas acerca da pessoa e dos feitos da Redentora. Quem, durante a sua formação, não ouviu e creu piamente em narrativas como “pressão inglesa na abolição”?

Essa narrativa é engenhosa e tira qualquer sentimento ou envolvimento que a Princesa possa ter tido na situação; retira ainda qualquer mérito da Redentora por ter abdicado da sua vida, status e até de uma boa memória para libertar o povo.

Ainda, tira do ouvinte dessas afirmações qualquer admiração pelo sacrifício imenso que a Princesa fez ao realizar a Abolição e ainda, dá um ar de: “era apenas uma burocrata”, “fez apenas o seu dever”, “viveu uma vida inteira na realeza, já foi tarde”.

Claramente isso é parte do processo revolucionário de desconstrução de imagem, tornar as pessoas “coisas”, “não-pessoas”, “não-merecedoras” e etc.

A narrativa de “tirou o povo do cativeiro e largou pra morrer de fome nas favelas” é outra que ajuda a despertar os sentimentos mesquinhos naquele que ouve.

Em outra postagem relatarei a partida de D. Pedro II de sua Casa, uma das histórias mais tristes da minha vida.

Quem venceu aquela família com desonra, na calada da noite, sem apoio popular e que emplacou essas e diversas outras mentiras (vontade popular no golpe republicano, etc…) foram os escravocratas, republicanos, militares positivistas, os quais deram o golpe que instituiu a república ilegítima, jogando o Brasil num espiral de saques ao tesouro (D. Pedro II era extremamente austero em termos de gastos públicos e assim educou Isabel) e ditaduras militares, com ameaças constantes, fascistas e comunistas. Segue a carta:

“11 de agosto de 1889 – Paço Isabel (atual Palácio das Laranjeiras – Guanabara)

Caro Senhor Visconde de Santa Victória

Fui informada por papai que me colocou a par da intenção e do envio dos fundos de seu Banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos libertos em 13 de Maio do ano passado, e o sigilo que o Senhor pediu ao presidente do gabinete para não provocar maior reação violenta dos escravocratas. Deus nos proteja dos escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio, pois seria o fim do atual governo e mesmo do Império e da Casa de Bragança no Brasil. Nosso amigo Nabuco, além dos Srs. Rebouças, Patrocínio e Dantas, poderem dar auxílio a partir do dia 20 de Novembro quando as Câmaras se reunirem para a posse da nova Legislatura. Com o apoio dos novos deputados e os amigos fiéis de papai no Senado será possível realizar as mudanças que sonho para o Brasil!

Com os fundos doados pelo Senhor teremos oportunidade de colocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas próprias trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos. Fiquei mais sentida ao saber por papai que esta doação significou mais de 2/3 da venda dos seus bens, o que demonstra o amor devotado do Senhor pelo Brasil. Deus proteja o Senhor e todo a sua família para sempre!

Foi comovente a queda do Banco Mauá em 1878 e a forma honrada e proba, porém infeliz, que o Senhor e seu estimado sócio, o grande Visconde de Mauá aceitaram a derrocada, segundo papai tecida pelos ingleses de forma desonesta e corrupta. A queda do Sr. Mauá significou uma grande derrota para o nosso Brasil!

Mas não fiquemos mais no passado, pois o futuro nos será promissor, se os republicanos e escravocratas nos permitirem sonhar mais um pouco. Pois as mudanças que tenho em mente como o senhor já sabe, vão além da liberação dos cativos. Quero agora me dedicar a libertar as mulheres dos grilhões do cativeiro doméstico, e isto será possível através do Sufrágio Feminino! Si a mulher pode reinar também pode votar!

Agradeço vossa ajuda de todo meu coração e que Deus o abençoe!

Mando minhas saudações a Madame a Viscondessa de Santa Vitória e toda a família.

Muito de coração

Isabel

Diante de uma carta com tais intenções a única coisa que resta é lamentar e ponderar que esse é o resultado quando homens de armas – por interesses coletivistas e positivistas – se metem a derrubar governos democráticos por não suportarem o choque de ideias, quererem a todo custo “pacificar” as coisas.

A democracia é viva, deve ser preservada e deve-se ter cuidado com outro ditador: o medo, que nos faz igualar ou superar o algoz em maldade.

Tal situação é fácil de verificar mesmo hoje em 2020, quando, por medo de uma suposta ditadura, parte da sociedade ataca impiedosamente as liberdades individuais contidas na Constituição Federal.

Assim, para derrotar opositores e por medo de “ditadura” muitos cometem atos desatinados e autoritários, como a prisão de jornalistas com discurso opositor, apenas por medo.

O mesmo medo (de ter mulher governando, de ser governado por um francês), motivou o golpe de 1889, que tirou o Brasil da condição de País de Primeiro Mundo e aliado das maiores potências da Europa por laços familiares e aos Estados Unidos por admiração e respeito mútuos.

Logo, ainda hoje devemos resistir ao medo, para, devido à covardia não cometermos atos indignos do que somos.

Somados aos prejuízos mencionados acima, os negros libertos em 1888 foram jogados à própria sorte pelos golpistas escravagistas (não queriam o povo negro, como iguais, na sociedade); machistas (não queriam Isabel como Imperatriz, reinando sobre eles) e xenófobos (não queriam o Conde d’Eu, francês, casado com uma Regente, próximo ao trono brasileiro, pois achavam que seriam governados por um membro da recém desterrada monarquia francesa).

Os efeitos dessa atrocidade contra um sistema feito sob medida para o Brasil, em prol da revolução utópica, destruíram as chances de desenvolvimento igualitário do povo negro recém liberto, deixando mazelas, conflitos pessoais e socioeconômicos até o dia de hoje.

Na verdade, os escravagistas no golpe de 1889 extravasaram – por meio dos atos dos militares positivistas – todo o ódio contido pelo discurso abolicionista da Família Real Brasileira, que vinha sendo passado de pai para filho, desde 1808.

Isso é outro fato que se omite.

O que uma família e uma corte fragilizada, em minoria poderia contra fazendeiros fortemente armados, com seus grupos paramilitares prontos a fazer no Brasil o mesmo que já havia ocorrido em outros países (Revolução Francesa)? Mesmo o exército tinha menos efetivo armado do que os fazendeiros.

Por essa razão sempre houve no Brasil tentativas de realizar a abolição, por meio de conscientização cultural e apelos religiosos (os quais vieram de encontro aos apelos dos expoentes dos movimentos abolicionistas), com a promulgação de leis que vinham aos poucos retirando a dependência das atividades produtivas da mão-de-obra escrava (ventre livre, sexagenário, etc…) e ainda o trabalho de base do governar pelo exemplo, que era característica de D. Pedo II.

A Redentora tinha atitudes como: promover o acobertamento de escravos fugitivos no Palácio; promover o sustento de quilombos; promover a organização de jornal abolicionista por seus filhos – o qual circulava no ambiente palaciano – além de manter diversas iniciativas políticas e parlamentares, como abordaremos em outro texto, falando da amizade de André Rebouças e Conde d’Eu.

Em suma, foi esse o caminho possível, pois conforme Otto Bismarck “Política é a arte do possível”!

A Família Real estabeleceu uma monarquia parlamentarista constitucional (graças ao conselho e expertise dos Andradas, notadamente José Bonifácio – experiente político que acompanhou in loco as revoluções americana e francesa, trazendo o conhecimento de ambas e de suas constituições para o Brasil).

Essa monarquia parlamentarista constitucional, democrática, possuía os partidos liberal e conservador, contando com ainda com Côrtes Superiores, conforme se verifica no sítio web do STF:

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Proclamada a independência do Brasil, estabeleceu a Constituição de 25 de março de 1824, no art. 163:

“Na Capital do Império, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Províncias, haverá também um Tribunal com a denominação de Supremo Tribunal de Justiça, composto de Juízes letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o título de Conselho. Na primeira organização poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daqueles que se houverem de abolir.”

Cumpriu-se o preceito com a Lei de 18 de setembro de 1828, decorrente de projeto de Bernardo Pereira de Vasconcelos que, após exame da Câmara e do Senado, foi sancionado pelo Imperador D. Pedro I.

O Supremo Tribunal de Justiça, integrado por 17 juízes, foi instalado em 9 de janeiro de 1829, na Casa do Ilustríssimo Senado da Câmara, tendo subsistido até 27 de fevereiro de 1891.

JULGAMENTOS HISTÓRICOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
A denominação “Supremo Tribunal Federal” foi adotada na Constituição Provisória publicada com o Decreto n.º 510, de 22 de junho de 1890, e repetiu-se no Decreto n.º 848, de 11 de outubro do mesmo ano, que organizou a Justiça Federal.

A Constituição promulgada em 24 de fevereiro de 1891, que instituiu o controle da constitucionalidade das leis, dedicou ao Supremo Tribunal Federal os artigos 55 a 59.

O Supremo Tribunal Federal era composto por quinze Juízes, nomeados pelo Presidente da República com posterior aprovação do Senado. A instalação ocorreu em 28 de fevereiro de 1891, conforme estabelecido no Decreto n.º 1, de 26 do mesmo mês.

Essa era a estrutura do Império do Brasil, ou seja, democrático, estável, respeitado e com Instituições sólidas.

Diante disso podemos conjecturar ou até sonhar com um país sem a forma de governo republicana, onde tivesse havido investimento justo e cuidado, respeito, com os negros brasileiros recém libertos…quantas vidas e desenvolvimento humano teriam sido beneficiadas? Qual seria o nosso papel no cenário mundial? A organização de nossas cidades e nosso padrão de vida? E se não tivéssemos sofrido getulismos, intentonas e contragolpes? Não há rigorosamente nada a comemorar nesses pouco mais de cem anos de República.

Império do Brasil, Monarquia Constitucional Parlamentarista, Restauração da Monarquia, Princesa Isabel, Isabel Redentora

2 comentários sobre “A carta de intenções de indenização dos alforriados pela Imperatriz Isabel I do Império do Brasil

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